A moda está disposta a pagar para ser mais sustentável? #FashionRevolution

A indústria da moda está falando sobre sustentabilidade mais do que nunca, porém as ações não falam o mesmo. Neste artigo falamos sobre como as grandes empresas do setor não estão investindo dinheiro e esforços suficientes para cumprir os objetivos de sustentabilidade estabelecidos para a próxima década.  


A Business of Fashion lançou recentemente um relatório que mostra a falta de compromisso assumido pelas grandes marcas em relação a sustentabilidade. Embora as empresas estejam falando mais do que nunca, elas têm problemas em fazê-lo, falhando em combinar ambições ousadas com detalhes de como planejam pagar por essas.

Muitas grandes marcas prometeram aos consumidores eliminar produtos químicos tóxicos, mudar para o poliéster reciclado e/ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas não podem atingir esses objetivos simplesmente instalando janelas com eficiência energética nas sedes corporativas em Paris ou Nova Iorque. Eles precisam fazer modificações eficientes nas fábricas utilizadas na produção de seus produtos.

O problema é que elas geralmente são de propriedade de terceiros e mudar para fontes de energia verde e instalar novos equipamentos  é caro e exige um investimento a longo prazo. Embora as marcas estejam pressionando e falando sobre as atualizações, os fornecedores dizem que muitas vezes estão por conta própria quando se trata de pagar por elas.

O fabricante de denim sediado em Bangladesh, Mostafiz Uddin, pediu ajuda a alguns de seus clientes para garantir um empréstimo de US$ 3 milhões para pagar as atualizações que lhe permitiriam operar de forma mais sustentável. Um mês depois ele afirma;

| "As marcas não estão contribuindo ou ajudando de forma alguma, ... quando você quer um pouco mais de dinheiro para [roupas produzidas de forma sustentável] ninguém quer pagar ... todo o risco financeiro recai sobre os fornecedores".

Muitas das empresas consultadas disseram que recompensam os fabricantes que alcançam altas pontuações em auditorias ambientais ou sociais com mais pedidos, mas os fornecedores dizem que na realidade os pedidos vão em grande parte para onde o preço é mais competitivo, quem consegue competir em preço são, principalmente, empresas que não se comprometem e investem em politicas socioambientais.

Um exemplo disso, é quando o preço do algodão orgânico disparou nos últimos meses, a maioria das marcas mudou rapidamente para fibras não orgânicas ou reduziu o conteúdo orgânico em sua mistura de material, disse Alberto Candiani, presidente da fabricante italiana de denim Candiani Denim.

Em vez de colocar as fábricas umas contra as outras a cada temporada para encontrar o fabricante mais barato, a indústria precisa estabelecer parcerias estáveis que permitam investimentos de longo prazo - mesmo que às vezes isso signifique que as roupas custarão mais para serem produzidas.

Como exemplo em 2019, a Gap fez uma parceria com o fabricante têxtil indiano Arvind Limited em um projeto de aproximadamente 4 milhões de dólares (cerca de 22 milhões de reais) para construir uma nova estação de tratamento de água na fábrica de denim do fabricante em Ahmedabad, Índia e estabelecer um centro de inovação focado na redução do uso de água na indústria. Embora o projeto representasse um investimento considerável, ele se reuniu em questão de meses. Ambas as empresas consideraram a outra como um parceiro estratégico e o investimento ajudaria cada uma delas a atingir metas ambiciosas de água.

 De acordo com um relatório da consultoria BCG e do núcleo de inovação de moda sustentável Fashion for Good publicado no ano passado. A ampliação das inovações para tornar a indústria da moda mais sustentável exigirá entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões a cada durante a próxima década. E há poucas evidências de que as empresas estejam se preparando para gastar algo assim, de acordo com a análise extraída do Índice de Sustentabilidade da BoF (Business of Fashion).

O relatório avaliou 15 das maiores divulgações públicas das empresas de moda sobre suas políticas e práticas de sustentabilidade. Apenas um terço forneceu informações sobre planos de investimento ou gastos para apoiar metas ambientais ambiciosas. As somas que foram divulgadas são uma fração do que os especialistas estimam ser necessário.

A LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton SE) disse que seus gastos de capital relacionados à proteção ambiental totalizaram $12,7 milhões de dólares (aproximadamente R$ 70,6 milhões) em 2019 e 10,4 milhões de euros (cerca de 70 milhões) no ano passado, embora isso não cubra todos os seus investimentos no espaço. A Kering, dona da gucci, balenciaga, yves saint laurent..., destinou 5 milhões de euros (34 milhões de reais) a um fundo focado no apoio a projetos de agricultura regenerativa. A Adidas destina um orçamento anual entre 1 e 4,5 milhões de euros (uma variação de 7-30 milhões de reais) para gastos de capital em medidas de eficiência energética e geração de energia renovável. A empresa disse que planeja expandir estes investimentos nos próximos anos para atingir seu objetivo de neutralidade climática em suas próprias operações até 2025.

Da mesma forma, apenas um punhado de empresas indicou que forneciam aos fornecedores apoio financeiro direto ou incentivos para ajudá-los a investir na redução de seu impacto ambiental. O quadro é o mesmo quando se trata de direitos trabalhistas. Apenas quatro das empresas analisadas disseram ter incorporado o custo dos salários nos preços que negociam com os fornecedores. 

A conta de tudo não fecha porém mesmo assim, há sinais de que a indústria da moda está começando a levar mais a sério os gastos com sustentabilidade.

"Há definitivamente uma lacuna neste momento entre as ambições da sustentabilidade e os investimentos necessários para realizar estes objetivos", disse o diretor de sustentabilidade , da Levi Strauss & Co. Jeffrey Hogue em uma declaração enviada por e-mail. A empresa está trabalhando em várias iniciativas para liberar um acesso mais amplo ao financiamento de baixo custo para os investimentos dos fornecedores em melhorias de sustentabilidade, com um foco particular no uso de água e energia. "Isso também nos ajuda a atingir nossos próprios objetivos e a satisfazer as exigências que temos para nós mesmos", disse Hogue.

Vamos ser capazes de alcançar o compromisso que assumimos? Quando? E como? Essas são apenas algumas das perguntas que ainda temos que fazer para nos aproximarmos um pouco mais do sonho da moda sustentável. 

Fonte:  https://www.businessoffashion.com/articles/sustainability/sustainability-comes-at-a-cost-fashion-isnt-paying

Antônio Campos, Amanda Barbosa e Livia Larangote, NUPEV

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